22 de fevereiro de 2006

Deus e o diabo na terra do som


Quem fez o melhor show, afinal: Stones ou U2?
Shows dos Rolling Stones e do U2 no Brasil mostraram duas vertentes do rock - uma virtuosa e outra profana.

Em apenas três dias, o país assistiu a apresentações das duas maiores bandas de rock do planeta: no sábado, os Rolling Stones tocaram na praia de Copacabana; na segunda, foi a vez de São Paulo ouvir o U2 (o grupo irlandês também se apresentaria ontem à noite na capital paulista, no Estádio do Morumbi). Ambos são sóis de primeira grandeza - mas a energia que alimenta os grupos de Mick Jagger e Bono é de natureza totalmente distinta.

Na segunda-feira, dia do primeiro concerto do U2 em São Paulo, 73 mil pessoas reuniram-se para ouvir e cantar 23 músicas do quarteto, em 2h18min de celebração - que tinha muito de show de rock, bastante de missa pop e uma boa parte de teatro multimídia. O gigantesco palco (com 60 metros de largura por 25 de altura e um telão de 40 metros de altura ao fundo) foi o cenário para a catarse coletiva comandada pelo vocalista Bono, pelo guitarrista The Edge, pelo baixista Adam Clayton e pelo baterista Larry Mullen Jr.

Na megacomunhão proposta pelo U2, o palco não serve apenas para que os músicos toquem: também é palanque para a exposição de questões político-sociais como a luta pelos direitos civis, o combate à fome no mundo e a denúncia do militarismo - defendidas por Bono ao microfone e ilustradas por vídeos e palavras de ordem nos telões. Curiosamente, dois dias antes, no Rio, um público estimado em 1,2 milhão de pessoas também se reuniu para ouvir as mensagens de um venerável grupo de rock - a diferença é que o som dos Rolling Stones passa ao largo de qualquer engajamento.

Cantando a busca por prazer (Satisfaction), a farra em companhia de garotas (Start me up, Honky tonk women) e a própria falta de pretensão de sua música (It's only rock'n'roll), Mick Jagger e companheiros são os avós dos roqueiros malcomportados. Surgidos há mais de quatro décadas, quando o conceito de politicamente correto ainda não existia e a contracultura não ia muito além do desbunde, os Rolling Stones estão ligados ao lado rebelde, inconseqüente e hedonista da cultura jovem. Já o U2, desde o início dos anos 80, tem colocado o vigor de sua música a serviço de letras que cantam mais do que a procura de uma gata para o sábado à noite. Se a banda americana The Strokes pode ser vista como um fruto colhido no pé dos Stones, os ingleses do Coldplay só existem por causa do U2.

Cada um a seu modo, porém, os frontmen de ambos os grupos tentaram se comunicar com suas platéias brasileiras: apesar de apartado do povão pelos privilegiados das áreas VIP, Jagger chamava todos para a orgia em Copacabana; cercado por fãs comuns convidados a ficar no restrito espaço em frente ao palco, Bono apelava para a consciência no Morumbi. Jagger vestiu fraque e chapéu e pediu Sympathy for the devil, Bono deixou um terço no microfone antes de sair do palco.

Quem fez o melhor show, afinal: Stones ou U2?
Talvez nem valha a pena perguntar - existe espaço no palco tanto para os endiabrados quanto para os bonzinhos.

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