1 de dezembro de 2008

Ontem eu senti o cheiro da morte


Quando eu era criança, eu queria conhecer o Homem-Aranha. Sonhava em dar um abraço nele ou ser amigo dele. Coisa minha; coisa de criança. Eu queria escalar arranha-céu. Eu queria jogar teia pelos pulsos...

Ontem andei por lugares de Itajaí que o rádio e a TV não conseguem traduzir exatamente. Por isso, não vou conseguir fazer-me entender do que se vê por aqui. Aquela rua bonita, aquele quarteirão bonito, aquilo tudo agora é um amontoado de entulhos em frente a cada uma das casas de duas cores -- um pouco da cor original onde a água não subiu... dali prá baixo, cor de lama amarelada e barro.

Casas grandes. Carros importados que pareciam estar retornando de um rally -- na verdade, não tiveram tempo de sair do próprio pátio. Entre as milhares de casas, vi uma casa de madeira vazia. Uma casa pobre. Não se podia mais entrar na casa de madeira porque ela cedeu e estava tão inclinada que parecia um losango. Na frente da casa, os pedaços de móveis que não pude entender o que eram e uma menina adolescente olhando fixo para a rua. A família fora proibida de voltar para dentro de casa. Ela olhava para o nada. Parecia que o olhar dela atravessava os muros. Ela olhava, quem sabe, para o futuro. Sei lá. No rosto sujo dela era possível ver um par de riscos que as lágrimas fizeram quando desciam dos olhos (ela AINDA chorava!). Perguntei-me: "mas será que faz uma semana que esta menina está chorando?". Ela estava em choque ainda. Como quem surtou e simplesmente abstraiu-se da ralidade. Pensei que só eu tinha 'lido' a cena, mas quando olhei para a minha esposa ela também tinha uma lágrima pronta pra descer... Engoli em seco. Saí daquela rua e saí daquele bairro. Não consegui falar mais nada até voltar para casa. Eu só pensava "Meu Deus..." e até o pensamento me faltou.

Andei muito pela cidade ainda. Pela cidade fantasma. Os semáforos apenas acendiam o sinal amarelo intermitente. Não existia mão única e nem contramão. No meio da enchente, naquelas mesmas ruas, pessoas andaram de barco e foram salvas de jet ski.

Hoje estou em Navegantes, depois de tantas voltas por este Brasil de flagelos. Ajudo aqui com o meu nada, e este nada é muito para muitas pessoas. Nunca jamais pensei que eu iria chorar por ver um "muito obrigado" de quem ganhou uma garrafa de água.


Celebrei só eu e minha esposa depois... não tinha clima de fazer nenhuma festa com nenhum amigo.
Os anos passaram e eu conheci uns super-heróis de verdade.
Sentir o cheiro da morte faz a gente rever valores. Eu revi conceitos. O que eu mais queria lá na infância, esta semana eu tive aqui. Eu conheci o Homem-Aranha. Na verdade, a Sala da Justiça inteira. E, sabe como eles são pessoalmente? Pasme: Não jogam teias. Não têm visão além do alcance. Não têm capa. Não viram gelo e nem fogo. Não têm nenhum super poder. Ao contrário, os super-heróis que eu conheci aqui vieram de toda parte. Usam vermelho. Usam rajado. Usam camuflado. Usam roupas civis. São Joãos; são Josés, são Marias, Clarices...

Os super-herós que eu conheci aqui são como você. Que fazem da sua profissão uma MISSÃO HUMANITÁRIA e salvam vidas de pessoas, não só da miséria financeira, mas também da miséria humana.

Fizeram eu perceber que eu também tenho o super poder de me tornar invisível e de ajudar a reconstruir esta região.

Um comentário:

  1. Anônimo3:28 PM

    Rodrigo, tudo bem?

    Meu nome é Gabriel Tupinambá, sou cineasta, trabalho no Rio de Janeiro e em Londres. Estou interessado em ir para Santa Catarina no final de Dezembro para documentar a tragédia desse desastre e gostaria de saber se você poderia me dar uma indicada de qual a situação, as áreas mais afetadas, se o acesso para esses lugares é complicado, essas coisas. Sendo brasileiro, você sabe que o jornal e o governo não são as melhores fontes de informação.
    Eu encontrei você através de um vídeo que você colocou no youtube e resolvi entrar em contato. Espero não estar ser um incômodo.

    Muito Obrigado,

    Gabriel
    www.nonada.tv
    www.gabrieltupinamba.com

    (qualquer coisa, me manda um email: gabrieltupinamba@mac.com ou nonadafilmes@mac.com)

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E você, o que vc pensa a respeito???

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