1 de maio de 2011

Papa João Paulo II: da morte à santidade em tempo recorde

Por que o Vaticano quer apressar a beatificação de um papa que supervisionou o seu pior escândalo em séculos?

João Paulo II produziu mais beatificações do
que todos os outros papas juntos (Fonte: Elliott Er
Quando o Papa João Paulo II for beatificado em 1º de maio, diante de uma plateia de centenas de milhares de fieis reunidos na Praça de São Pedro, a sua chegada ao estágio final da beatificação ocorrerá em tempo recorde, superando a marca anterior de 15 dias atingida por Madre Teresa.
Alguns se opuseram à pressa, sobretudo tendo em conta questões persistentes sobre a forma como João Paulo lidou com  as denúncias de abuso sexual na Igreja Católica.


João Paulo II é responsável pela criação do que os críticos chamam de “uma fábrica de fazer santos”, durante os quase 27 anos em que presidiu a Igreja Católica. Ele produziu mais beatificações (1.338) e canonizações (482) do que todos os papas anteriores juntos, e, tendo em vista que a tradição católica teve 263 papas nos últimos 2 mil anos, isso não é tarefa fácil.


Esta avalanche de auréolas foi resultado de uma política deliberada. Em 1983, João Paulo revisou o processo de beatificação para torná-lo mais rápido, mais barato e menos contraditório, eliminando o cargo de “advogado do diabo” e reduzindo o número de milagres necessários. Seu objetivo era elevar os exemplos contemporâneos de santidade a fim de mostrar para um mundo cansado e secular que a santidade está viva no aqui e agora.


Grande parte das indicações de João Paulo II viveu no século 20, do Padre Pio à Madre Teresa e Josemaría Escrivá, o fundador do Opus Dei. Nesse sentido, a rápida beatificação de João Paulo II é um subproduto natural de suas próprias políticas, que têm sido amplamente seguidas pelo seu sucessor e homem de confiança, o Papa Bento XVI.


No entanto, a causa de João Paulo II também é um lembrete, pelo menos para alguns, de que esperar um pouco nem sempre é uma coisa tão ruim.


Santidade por consenso
Em teoria, a santidade deveria ser um processo democrático, começando com um movimento popular de que determinada figura fora um santo. Seis anos atrás, essa convicção com relação à Karol Wojtyla, o nome verdadeiro de João Paulo II, parecia tornar a sua beatificação um fato óbvio.


Este foi, afinal, o papa que derrubou o comunismo, que foi visto em carne e osso por mais pessoas do que qualquer outra figura na história humana, que revigorou o catolicismo depois de um período de dúvida e confusão, que deu origem a toda uma geração de jovens padres e bispos “João Paulos”, ansiosos para levar a mensagem da igreja às ruas.


Em sua missa fúnebre, multidões gritavam “Santo subito!” -- Santidade agora! Os cardeais, reunidos no Conclave para eleger o próximo papa, assinaram uma petição pedindo para o próximo papa renunciar ao prazo normal de cinco anos de espera para o lançamento da causa de beatificação, coisa que Bento XVI fez rapidamente. A cobertura adulatória da mídia global tranformou-se numa espécie de canonização secular, fazendo o processo eclesiástico formal parecer anticlimático.


Hoje, porém, o entusiasmo tem sido temperado por revelações sobre o papel do falecido Papa e seus assessores na crise de abuso sexual, o escândalo mais destrutivo do Catolicismo em séculos, e que, segundo os críticos, ganhou proporções enormes sob o comando de João Paulo II.


Em um dos casos, o processo contra os sacerdote mexicano, já falecido, padre Marcial Maciel Degollado, fundador da controversa e conservadora ordem religiosa Legionários de Cristo. João Paulo II foi um grande apoiador de Maciel, admirando a fidelidade sem remorso da ordem religiosa católica de ensino por ele liderada, bem como a sua lealdade à Roma e ao papado e seu sucesso na geração de novos vocacionados dentre os católicos mais jovens.


Ainda em meados da década de 1990, acusações começaram a surgir de que o lado público de Maciel ocultavam uma vida privada profundamente errada. Uma denúncia alegando que Maciel abusou sexualmente de uma série de antigos membros da ordem foi recebida em Roma pelo gabinete chefiado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. Esse caso foi engavetado no final de 2001, e nenhuma ação foi tomada até a morte de João Paulo II.


Mesmo quando o pessoal do Ratzinger começou a se convencer que havia fogo por trás da fumaça, outros figurões dos tempos do regime de João Paulo deram conforto e ajuda a Maciel. Maciel acompanhou João Paulo II em várias viagens ao exterior e sempre foi exaltado pela mais alta cúpula da Igreja como um modelo pelo seu trabalho com a juventude. Em certa ocasião o mais poderoso departamento no Vaticano, a Secretaria de Estado, negou haver qualquer processo contra Maciel. Simultaneamente, o gabinete de Ratzinger chegava à conclusão de que Maciel era, de fato, culpado.


Com o novo Papa, o tabu se quebrou. Em Maio de 2006, Bento XVI ordenou que Maciel retirsse a uma vida de "oração e penitência", e os legionários reconheceram sua responsabilidade por umaa gama de abusos e atos de má conduta, incluindo que ele teve filhos fora do casamento com, pelo menos, duas mulheres com quem manteve relações.


Aos olhos dos críticos, o caso Maciel ilustra bem o padrão de negação e obstrução da Justiça nas acusações de abuso sexual durante os anos de João Paulo. Em casos onde os Bispos locais tentaram expulsar formalmente do sacerdócio os abusadores, em um processo conhecido como "laicização", Roma apenas aconselhava que tivessem prudência.


Aqueles inclinados a dar o benefício da dúvida a João Paulo argumentam que a Igreja está em uma curva de aprendizagem e é injusto julgá-lo pelos padrões de hoje.


Seja qual for a impressão de cada um sobre esses argumentos, o Vaticano nega que a beatificação seja equivalente a ratificar todas as escolhas políticas de  um pontificado. Santidade, dizem os porta-vozes da igreja, significa que, apesar de falhas de julgamento ocorridas durante o reinado de um determinado papa, ele foi, no entanto, um homem santo na sua vida pessoal.


Nesse sentido, certamente poucos duvidam que João Paulo II teve uma vida de oração, uma forte tendência mística e uma fé profunda e duradoura.

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